quarta-feira, 11 de março de 2009

A música da crise

Música pesada para tempos duros
Com turnês lucrativas e discos nas paradas, as bandas de heavy metal compõem a trilha sonora da crise econômica. E não será a primeira vez que isso acontece
Vocalista do sexteto inglês Iron Maiden – que desembarca nesta semana no Brasil para apresentações em várias capitais –, Bruce Dickinson encontrou uma definição hiperbólica para seu gênero musical. "O heavy metal é a ópera da classe operária", disse ele em entrevista a VEJA. Nem todo fã do rock pesado será um proletário. Mas esse é, sim, um público predominantemente masculino e de classe média baixa, sempre duramente atingido pelas crises econômicas. Com suas guitarras e sua gritaria, o heavy metal é o meio perfeito para essa turma ventilar frustrações. O gênero parece florescer com mais vigor em tempos difíceis. A nova onda do heavy metal britânico, na qual despontaram Def Leppard e Iron Maiden, surgiu no caos econômico-sindical da Inglaterra do fim dos anos 70 – que eclodiu com mais estrondo ainda no punk. E o auge do chamado "hair metal" – o hard rock xaroposo de bandas como Mötley Crüe – coincide mais ou menos com uma grande queda da bolsa americana, em 1987. A crise mundial detonada pela implosão do crédito americano pode estar impulsionando um revival metaleiro.
O show que o Iron Maiden traz agora para o Brasil esteve entre as cinquenta turnês recentes mais lucrativas dos Estados Unidos – nas quais se incluem outras bandas pesadas, como Kiss e Bon Jovi. Comercializado apenas na rede popular Wal-Mart, Black Ice, da banda australiana AC/DC, tornou-se um dos CDs mais vendidos no mercado americano em 2008 – e o segundo do mundo. O Metallica também vem frequentando as paradas com Death Magnetic. Haverá outras razões para o renascimento metaleiro – como o jogo Guitar Hero, que popularizou o rock pesado entre as novas gerações –, mas a crise talvez seja o fator determinante.
Quase toda a crise econômica do século XX teve sua trilha musical. O suingue das big bands animou os anos tristes da Grande Depressão, e a disco music amainou as angústias causadas pela alta do petróleo e pela inflação na década de 70. Na aparência, são gêneros muito diferentes – a discoteca, que teve origem em boates gays de Nova York, parece representar o oposto da masculinidade ostensiva de um show de metal. Mas há um ponto em comum: são músicas de grande apelo corporal. Houve várias danças frenéticas para acompanhar o suingue – caso do jitterbug, com seus tremeliques nervosos. As coreografias da disco ficaram famosas na interpretação de John Travolta (cujo personagem em Os Embalos de Sábado à Noite conhecia a dureza de perto). E o metal, embora não convide à dança, pede vigorosas sacudidas de cabeça. A música tem sua clara função catártica: quanto mais o corpo balança, menos sente o aperto econômico.
Os metaleiros contam com uma forte identidade de grupo, que proporciona abrigo em tempos de arrocho. O comportamento tribal, a indumentária de couro e rebites e os dedos erguidos para lembrar os chifres do "senhor das trevas" não contribuem para sua reputação. Mas Bruce Dickinson protesta: "Os fãs de rock pesado não são burros nem violentos. Isso é um estereótipo". A associação entre o metal e a violência é, de fato, equivocada – os fãs de metal raramente brigam em shows. Suas caras de mau disfarçam uma índole em geral pacífica. É a crise que é mesmo o capeta.

FONTE: Revista VEJA
(11/03/2009)

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